A Ficção do Palhaço do Tablado:
- Phirtia Silva
- 21 de dez. de 2024
- 2 min de leitura
Primeiro manifesto pela neurodiversidade

Sempre vivi para dentro, em um mundo diferente deste onde podemos pisar com os nossos pés. Quando olhei pela primeira vez para fora, a leitura foi, sobretudo, narcisista: aquela do “inferno são os outros”. Contudo, antes de construir a parte mais dura e indivisível do meu eu, descobri estar errada. O inferno, na verdade, é não ser como os outros.
Primeiro, me forcei a falar, mesmo gaguejando; mesmo trocando as palavras; mesmo com o meu coração saindo pela boca; mesmo tremendo descontroladamente; mesmo sentindo a persistente, profunda e esmagadora frustração pelo fato dos seres humanos se exprimirem através de algo tão rudimentar quanto a boca.
“Você fala muito para dentro” - era uma das minhas inadequações preferidas.
A cada ano aprendi uma nova trapaça para ser menos eu e mais como os outros. Aprendi até mesmo a fazer caretas teatrais no tablado. Aliás, um dos meus professores mais marcantes era um palhaço. Um palhaço sorridente cujos olhos penetrantes viviam invadidos pela tristeza. E assim fui empurrando os limites dia após dia, até desconfigurar-lhes a forma. Muitos anos depois, percebi que a desfragmentação foi tão lenta que a dor passou a fazer parte do espetáculo a cada vez que recriava o palhaço do tablado.
Você acha que conhece alguém cuja criança interior nasceu em um mundo que não existe? Veja: a primeira pessoa que me apaixonei foi um personagem de um livro. A segunda, uma pessoa virtual cuja foto de perfil era um desenho e possuía um pseudônimo. Você sabe por quê? Porque, naquela época, eu já tinha me tornado uma ficção.
Eu sou apenas uma ficção.
Autoria: Phirtia Silva. Cientista Social e TEA.
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